Segunda visita ao Centro Cultural Brasil Turquia
11/08/2012
Participantes: Prof.Peter, Daniella,
Augusto, Cybele, Ariel, Luciana Garcia, Cila Lima, Flavia, Danilo.
O encontro teve a finalidade de nos aprofundarmos
nas iniciativas e perspectivas do movimento Hizmet (“movimento Gülen”) , fundado por Fethullah Gülen.
A reunião contou com a presença do Dr. Bayram Ozturk, representante do diário
Zaman e da Fundação de Jornalistas e
Escritores em Ancara, do Dr. Mustafa Yesil, presidente da Fundação de
Jornalistas e Escritores da Turquia de Ahmet Muharrem Atlig, coordenador do
intercultural Dialogue Platform.. Esta fundação foi inaugurada em 1994 com o
incentivo do Fethullah Gülen, que continua sendo o presidente honorário da
instituição. A fundação se apresenta
como sendo a maior e mais prestigiada instituição que visa a promoção do
diálogo intercultural e religioso na Turquia e mundo afora.
Vídeo introdutório
A Fundação de jornalistas e escritores da Turquia é uma associação
reconhecida pela ONU que enfatiza valores humanitários tais como diálogo,
cooperação, tolerância e amor. As suas origens remetem às manifestações feitas
pela seleção de futebol da Turquia que protestou ao entrar em campo contra as
atrocidades ocorridas na Guerra da Bósnia de 1995.
Há várias plataformas dentro da Fundação, uma delas é conhecida como
“Diálogo Eurásia” e tem como principal objetivo promover orações de paz, que possam
unir líderes espirituais de diversas etnias e religiões.
Perguntas e Respostas
Peter: Qual e a ideologia do movimento Hizmet e o que o diferencia
de outras tendências islâmicas?
Mustafa Yesil: O movimento Hizmet começou em um país muçulmano,
incentivado por Fethullah Gülen, o que explica a sua base religiosa, porém essa
base se diferencia dos outros movimentos nos países muçulmanos. Com a queda do
Império Turco Otomano, houve o aparecimento de três nações, Turquia, Afeganistão
e Irã. Com exceção desses três países, as outras nações do Oriente Médio
apresentavam movimentos religiosos que pregavam a necessidade de defesa contra
o Ocidente e o uso de violência para lograr a independência em relação aos
outros países ocidentais, como por exemplo o movimento da Irmandade Muçulmana no
Egito. Esses movimentos incorporam o lado mais violento e radical do Islã, o
qual é, originariamente, pacífico. O movimento Hizmet, portanto, não tinha
função de defesa, nem de independência em relação ao Ocidente, mas sempre visou
a solução de três questões essenciais: conflitos entre os povos, pobreza e
ignorância. Fethullah Gülen sempre enfatizava esses três pontos, sendo não
apenas necessária a solução desses problemas mas também o estabelecimento de um
modelo para o mundo.
No que concerne à questão da ignorância ou falta de conhecimento: os
projetos de Gülen visavam a sua solução através, por exemplo, do incentivo à
escolarização e à alfabetização com o propósito de educar pessoas que pudessem
conviver com as diferenças. Tendo isso em vista, Gülen ajudou a fundar várias
escolas na década de 1980. Para solucionar conflitos entre nações e etnias
distintas, ele pregava o diálogo interreligioso e a tolerância. Seria o
equivalente a entender, receber a pessoa e conviver com ela sem tentar mudá-la.
Nesse âmbito, Gülen fundou centros de diálogo intercultural que funcionam
através de parcerias com líderes locais. Para resolver a questão da pobreza, Gülen
procura incentivar as pequenas e médias empresas assim como associações a fazer
investimentos internos e externos. Também incentivam a implementação de ajuda a
pessoas necessitadas através de fundações e doações de caridade.
Outro ponto que deve ser ressaltado é que, apesar da fundação ter
sido fundada por ativistas religiosos, nos dias atuais, participam do movimento
não apenas os alunos formados nas escolas e seus pais, mas também pessoas
não-religiosas que financiam o projeto por acreditarem que o mesmo ajuda na
construção da paz mundial.
Peter: O que é especificamente religioso e islâmico na plataforma?
Se eu fosse ateu, eu poderia apoiar e financiar o movimento Hizmet?
Dr.Mustafa Yesil: A maioria das pessoas que apoiam são religiosas,
financiam o movimento porque acreditam estar fazendo uma boa ação no nível
espiritual. O ponto de partida do próprio Fethullah Gülen são versículos do Alcorão
que afirmam que a religião deve ajudar os outros. Os seguidores pregam portanto
que os povos façam encontros de forma que possam conhecer-se e entender-se. Muçulmanos
que condenam pessoas não-religiosas têm uma interpretação limitada do Corão e
da vida do Profeta. Assim, apesar das pessoas que apoiam o movimento serem
religiosas – e financiarem as atividades, por motivos religiosos; isso não
significa que se limitem à religião, ou seja, somos incentivados pela religião mas
trabalhamos pela comunidade.
Peter: Há várias interpretações dentro de uma mesma religião, tanto
no hinduísmo, budismo, catolicismo e judaísmo. Qual é a visão do movimento Hizmet,
vocês fazem uma interpretação literal ou simbólica das leituras sagradas?
Dr.Mustafa Yesil: Existem diferentes interpretações, no entanto, a
base de cada interpretação tem de estar relacionada ao Alcorão, e
particularmente, à vida do profeta Mahmoumed, ou seja, como o Profeta
interpretou cada versículo; por exemplo, o conceito de jihad significa eliminar
todas as barreiras entre as pessoas e Deus para se chegar ao conhecimento;
Fethullah Güllen defende que os seus projetos de fundação de escolas podem ser
vistos como trabalhos de jihad. Mas ao mesmo tempo, há a interpretação do jihad
como pregando a guerra e a violência –principalmente nos países que não pertenciam
ao Império Turco-Otomano. Gülen sempre interpretou a mensagem do Alcorão como
algo endereçado a todos indivíduos, e não apenas aos muçulmanos.
Ariel: Tendo em vista que a imagem da Turquia está mudando, no que
tange à sua ascensão socioeconômica e à sua aproximação com a União Europeia, qual
é a relação entre o Fethullah Gülen e o Estado da Turquia, tendo como pano de
fundo os princípios implementados por Atatürk?
Dr. Ozturk: Diferentemente do que ocorre na Europa, onde se
presencia um conflito entre religiosos e modernistas, na Turquia, a convivência
entre esses dois grupos é totalmente possível. No entanto, quando do governo Atatürk
e seus sucessores Kemalistas, o sufismo era proibido. Gülen e sua família eram sufis perseguidos, e, por isso, tinham
que viver escondidos. No entanto, para Gülen
o desenvolvimento, e o conhecimento ocidental não devem ser banidos, pelo
contrário, devem ser incorporados pelo movimento de forma positiva. atualmente,
o Estado Turco conhece um momento de síntese em que os grupos religiosos e os
modernos se conhecem e se aceitam mutuamemente. O próprio Gülen não pretende voltar à Turquia para
evitar desentendimentos e não por medo de ser perseguido. Cabe colocar, no
entanto, que o Estado Turco ainda não sabe como reagir ao movimento Gülen.
Ariel: As escolas fundadas por Fethullah Gülen podem ser
consideradas como formadoras de uma nova elite política, e nesse caso, podemos
falar de um fim do legado de Atatürk?
Dr. Ozturk: O movimento Hizmet não ameaça o secularismo turco, esse
sempre existiu - o próprio Império Turco-Otomano era uma nação que abrangia
diversas civilizações - e vai continuar existindo. O movimento Hizmet não
pretende acabar com o secularismo pois respeita as crenças e valores das
pessoas e prega o diálogo e a tolerância. Esse medo do fim do secularismo está
presente principalmente na Europa porque esse continente vivencia a presença dos
muçulmanos radicais. O movimento Hizmet divulga estudos que procurem eliminar
essa percepção errônea.
Danilo: Qual a dimensão do movimento Hizmet na Turquia?
Bayram Ozturk: Levando em consideração a venda do principal jornal
do movimento (Zaman), o qual vende 1 milhão de cópias por dia em um país de 50 milhões
de habitantes, pode-se dizer que é um número considerável.
Danilo: Como o movimento Hizmet lida com a diversidade sexual?
Dr. Ozturk: Tendo em vista que as pessoas que apoiam o movimento são
religiosas, a visão delas corresponderia a princípios religiosos. Assim, o
movimento Hizmet tolera a diversidade sexual porém incentiva a realização de
pesquisas para entender o motivo que leva uma pessoa a escolher uma sexualidade
diferente de sua natureza.
Augusto: Como o senhor avalia o Zaman para a difusão do movimento Hizmet
dentro e fora da Turquia?
Dr. Ozturk: O Zaman - fundado em 1986, e primeiro jornal turco na
internet - é importante para atrair a atenção da mídia e para levar a mensagem
do movimento. O Zaman é, portanto, um jornal de sucesso que carrega as visões
do movimento Hizmet e abre um espaço para que assuntos da Turquia e do exterior
sejam discutidos.
Danilo: Existem, nos altos escalões do governo turco, parlamentares
ligados ao movimento Hizmet? Algum político em especifico é apoiado pelo
movimento Hizmet?
Ozturk: Sim, existem tanto pessoas apoiadoras e simpatizantes como
pessoas relacionadas ao movimento, ou seja, há várias categorias de pessoas
ligadas ao movimento. Não, porque nunca o movimento fará indicação para apoiar
determinado partido ou político. O que sim ocorre, é que nos últimos anos, o
projeto, e consequente referendo, de mudar a Constituição – diminuição do poder
militar - é apoiado pelo movimento Hizmet.
Peter: Tendo em conta a situação atual entre a Turquia e a Síria, na
qual a Turquia apoia a oposição anti-Assad e considera a possibilidade de uma
intervenção militar; como se posiciona o movimento Hizmet, ele apoiaria essa
intervenção?
Mustafa Yesil: Não olhamos a situação como governos mas nos
colocamos no lugar do povo sírio, se eles querem uma intervenção ou não. Em
todo caso, a Turquia não deve se apresentar sozinha para enfrentar a Síria mas
sim deve agir em conjunto com a ONU, com aprovação do Conselho de Segurança.