quarta-feira, 5 de setembro de 2012


Segunda visita ao Centro Cultural Brasil Turquia 11/08/2012

Participantes: Prof.Peter, Daniella, Augusto, Cybele, Ariel, Luciana Garcia, Cila Lima, Flavia, Danilo.

O encontro teve a finalidade de nos aprofundarmos nas iniciativas e perspectivas do movimento Hizmet  (“movimento Gülen”) , fundado por Fethullah Gülen. A reunião contou com a presença do Dr. Bayram Ozturk, representante do diário Zaman e  da Fundação de Jornalistas e Escritores em Ancara, do Dr. Mustafa Yesil, presidente da Fundação de Jornalistas e Escritores da Turquia de Ahmet Muharrem Atlig, coordenador do intercultural Dialogue Platform.. Esta fundação foi inaugurada em 1994 com o incentivo do Fethullah Gülen, que continua sendo o presidente honorário da instituição. A fundação  se apresenta como sendo a maior e mais prestigiada instituição que visa a promoção do diálogo intercultural e religioso na Turquia e mundo afora.

Vídeo introdutório 

A Fundação de jornalistas e escritores da Turquia é uma associação reconhecida pela ONU que enfatiza valores humanitários tais como diálogo, cooperação, tolerância e amor. As suas origens remetem às manifestações feitas pela seleção de futebol da Turquia que protestou ao entrar em campo contra as atrocidades ocorridas na Guerra da Bósnia de 1995.

Há várias plataformas dentro da Fundação, uma delas é conhecida como “Diálogo Eurásia” e tem como principal objetivo promover orações de paz, que possam unir líderes espirituais de diversas etnias e religiões.

Perguntas e Respostas

Peter: Qual e a ideologia do movimento Hizmet e o que o diferencia de outras tendências islâmicas?

Mustafa Yesil: O movimento Hizmet começou em um país muçulmano, incentivado por Fethullah Gülen, o que explica a sua base religiosa, porém essa base se diferencia dos outros movimentos nos países muçulmanos. Com a queda do Império Turco Otomano, houve o aparecimento de três nações, Turquia, Afeganistão e Irã. Com exceção desses três países, as outras nações do Oriente Médio apresentavam movimentos religiosos que pregavam a necessidade de defesa contra o Ocidente e o uso de violência para lograr a independência em relação aos outros países ocidentais, como por exemplo o movimento da Irmandade Muçulmana no Egito. Esses movimentos incorporam o lado mais violento e radical do Islã, o qual é, originariamente, pacífico. O movimento Hizmet, portanto, não tinha função de defesa, nem de independência em relação ao Ocidente, mas sempre visou a solução de três questões essenciais: conflitos entre os povos, pobreza e ignorância. Fethullah Gülen sempre enfatizava esses três pontos, sendo não apenas necessária a solução desses problemas mas também o estabelecimento de um modelo para o mundo.

No que concerne à questão da ignorância ou falta de conhecimento: os projetos de Gülen visavam a sua solução através, por exemplo, do incentivo à escolarização e à alfabetização com o propósito de educar pessoas que pudessem conviver com as diferenças. Tendo isso em vista, Gülen ajudou a fundar várias escolas na década de 1980. Para solucionar conflitos entre nações e etnias distintas, ele pregava o diálogo interreligioso e a tolerância. Seria o equivalente a entender, receber a pessoa e conviver com ela sem tentar mudá-la. Nesse âmbito, Gülen fundou centros de diálogo intercultural que funcionam através de parcerias com líderes locais. Para resolver a questão da pobreza, Gülen procura incentivar as pequenas e médias empresas assim como associações a fazer investimentos internos e externos. Também incentivam a implementação de ajuda a pessoas necessitadas através de fundações e doações de caridade.

Outro ponto que deve ser ressaltado é que, apesar da fundação ter sido fundada por ativistas religiosos, nos dias atuais, participam do movimento não apenas os alunos formados nas escolas e seus pais, mas também pessoas não-religiosas que financiam o projeto por acreditarem que o mesmo ajuda na construção da paz mundial.

Peter: O que é especificamente religioso e islâmico na plataforma? Se eu fosse ateu, eu poderia apoiar e financiar o movimento Hizmet?

Dr.Mustafa Yesil: A maioria das pessoas que apoiam são religiosas, financiam o movimento porque acreditam estar fazendo uma boa ação no nível espiritual. O ponto de partida do próprio Fethullah Gülen são versículos do Alcorão que afirmam que a religião deve ajudar os outros. Os seguidores pregam portanto que os povos façam encontros de forma que possam conhecer-se e entender-se. Muçulmanos que condenam pessoas não-religiosas têm uma interpretação limitada do Corão e da vida do Profeta. Assim, apesar das pessoas que apoiam o movimento serem religiosas – e financiarem as atividades, por motivos religiosos; isso não significa que se limitem à religião, ou seja, somos incentivados pela religião mas trabalhamos pela comunidade.

Peter: Há várias interpretações dentro de uma mesma religião, tanto no hinduísmo, budismo, catolicismo e judaísmo. Qual é a visão do movimento Hizmet, vocês fazem uma interpretação literal ou simbólica das leituras sagradas?

Dr.Mustafa Yesil: Existem diferentes interpretações, no entanto, a base de cada interpretação tem de estar relacionada ao Alcorão, e particularmente, à vida do profeta Mahmoumed, ou seja, como o Profeta interpretou cada versículo; por exemplo, o conceito de jihad significa eliminar todas as barreiras entre as pessoas e Deus para se chegar ao conhecimento; Fethullah Güllen defende que os seus projetos de fundação de escolas podem ser vistos como trabalhos de jihad. Mas ao mesmo tempo, há a interpretação do jihad como pregando a guerra e a violência –principalmente nos países que não pertenciam ao Império Turco-Otomano. Gülen sempre interpretou a mensagem do Alcorão como algo endereçado a todos indivíduos, e não apenas aos muçulmanos.

Ariel: Tendo em vista que a imagem da Turquia está mudando, no que tange à sua ascensão socioeconômica e à sua aproximação com a União Europeia, qual é a relação entre o Fethullah Gülen e o Estado da Turquia, tendo como pano de fundo os princípios implementados por Atatürk?

Dr. Ozturk: Diferentemente do que ocorre na Europa, onde se presencia um conflito entre religiosos e modernistas, na Turquia, a convivência entre esses dois grupos é totalmente possível. No entanto, quando do governo Atatürk e seus sucessores Kemalistas, o sufismo era proibido. Gülen e sua  família eram sufis perseguidos, e, por isso, tinham que viver escondidos. No entanto, para  Gülen o desenvolvimento, e o conhecimento ocidental não devem ser banidos, pelo contrário, devem ser incorporados pelo movimento de forma positiva. atualmente, o Estado Turco conhece um momento de síntese em que os grupos religiosos e os modernos se conhecem e se aceitam mutuamemente. O próprio  Gülen não pretende voltar à Turquia para evitar desentendimentos e não por medo de ser perseguido. Cabe colocar, no entanto, que o Estado Turco ainda não sabe como reagir ao movimento Gülen.

Ariel: As escolas fundadas por Fethullah Gülen podem ser consideradas como formadoras de uma nova elite política, e nesse caso, podemos falar de um fim do legado de Atatürk?

Dr. Ozturk: O movimento Hizmet não ameaça o secularismo turco, esse sempre existiu - o próprio Império Turco-Otomano era uma nação que abrangia diversas civilizações - e vai continuar existindo. O movimento Hizmet não pretende acabar com o secularismo pois respeita as crenças e valores das pessoas e prega o diálogo e a tolerância. Esse medo do fim do secularismo está presente principalmente na Europa porque esse continente vivencia a presença   dos muçulmanos radicais. O movimento Hizmet divulga estudos que procurem eliminar essa percepção errônea.

Danilo: Qual a dimensão do movimento Hizmet na Turquia?

Bayram Ozturk: Levando em consideração a venda do principal jornal do movimento (Zaman), o qual vende 1 milhão de cópias por dia em um país de 50 milhões de habitantes, pode-se dizer que é um número considerável.

Danilo: Como o movimento Hizmet lida com a diversidade sexual?

Dr. Ozturk: Tendo em vista que as pessoas que apoiam o movimento são religiosas, a visão delas corresponderia a princípios religiosos. Assim, o movimento Hizmet tolera a diversidade sexual porém incentiva a realização de pesquisas para entender o motivo que leva uma pessoa a escolher uma sexualidade diferente de sua natureza.

Augusto: Como o senhor avalia o Zaman para a difusão do movimento Hizmet dentro e fora da Turquia?

Dr. Ozturk: O Zaman - fundado em 1986, e primeiro jornal turco na internet - é importante para atrair a atenção da mídia e para levar a mensagem do movimento. O Zaman é, portanto, um jornal de sucesso que carrega as visões do movimento Hizmet e abre um espaço para que assuntos da Turquia e do exterior sejam discutidos. 

Danilo: Existem, nos altos escalões do governo turco, parlamentares ligados ao movimento Hizmet? Algum político em especifico é apoiado pelo movimento Hizmet?

Ozturk: Sim, existem tanto pessoas apoiadoras e simpatizantes como pessoas relacionadas ao movimento, ou seja, há várias categorias de pessoas ligadas ao movimento. Não, porque nunca o movimento fará indicação para apoiar determinado partido ou político. O que sim ocorre, é que nos últimos anos, o projeto, e consequente referendo, de mudar a Constituição – diminuição do poder militar - é apoiado pelo movimento Hizmet.

Peter: Tendo em conta a situação atual entre a Turquia e a Síria, na qual a Turquia apoia a oposição anti-Assad e considera a possibilidade de uma intervenção militar; como se posiciona o movimento Hizmet, ele apoiaria essa intervenção?

Mustafa Yesil: Não olhamos a situação como governos mas nos colocamos no lugar do povo sírio, se eles querem uma intervenção ou não. Em todo caso, a Turquia não deve se apresentar sozinha para enfrentar a Síria mas sim deve agir em conjunto com a ONU, com aprovação do Conselho de Segurança. 

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